Marcos: documentos de jurisdição administrativa

Cruz de Pau 
Decorria o mandato autárquico, nos inícios da década de noventa, em Mire de Tibães, quando surgiu uma solicitação para atestar se determinada propriedade rústica se encontrava dentro da área administrativa da freguesia. Perante a existência de incertezas, era preciso que a equipa autárquica se deslocasse ao local e fizesse a devida verificação, in loco. E assim se procedeu. No entanto, devido à forte densidade de mato e floresta e à falta de um levantamento objetivo dos marcos delimitativos de freguesia, à época, só foi possível fornecer uma resposta por estimativa ao requerente.

Passaram-se os anos e já neste século, após um terrível incêndio que devastou a encosta do monte de S. Gens/S. Filipe, vertente da freguesia de Padim da Graça, até ao rio Cávado, ficaram visíveis muros divisórios de propriedades e outras pedras. Algum tempo depois, decorria o ano dois mil e dez, a equipa educativa do Mosteiro de Tibães teve a venturosa ideia de propor um safari fotográfico, denominado Caminhada com História, que abrangia também a zona ardida, para mostrar outro tipo de património existente na área do antigo couto de Tibães. Despertava assim o gosto pela descoberta.
Pedroso
Enquanto isto, nascia o Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães (GAMT), associação voltada para o apoio à antiga casa-mãe da congregação beneditina, o Mosteiro de Tibães.
Numa manhã de primavera, durante uma das caminhadas semanais para a manutenção do físico e da alma, realizando o percurso pedestre atrás referido, acordou a ideia do levantamento exaustivo, com suporte histórico, de todos os marcos do couto e de freguesia de Mire de Tibães. Tinha toda a lógica fazê-lo, pois a História grandiosa do Mosteiro e da freguesia de Mire de Tibães o justificava.

É então que o professor e historiador José Carlos Peixoto, filho da terra, e o seu companheiro das andadas, professor Florêncio Gonçalves, com a responsabilidade de serem ambos sócios do GAMT, se metem na ditosa tarefa de achar os marcos de demarcação de fronteiras. Cada dia, era elegida uma zona que segundo a análise dos tombos de delimitação e confrontação nos indicavam a sua existência. Qualquer descoberta era sempre um verdadeiro regozijo. Foi uma empreitada longa e árdua, mas sem dúvida reconfortante, na qual também colaborou o engenheiro José Rodrigues, igualmente sócio do GAMT.
O trabalho investigativo do professor José Carlos foi crescendo durante os dois anos de pesquisa, resultando numa produção científica exemplar que se deu à estampa em 2014 com o título Tibães: marcos e domínios apoiada pela Junta de Freguesia. A memória da terra ficou mais rica.
Cangosta de Sobrado
Contudo, para defender estes verdadeiros documentos pétreos é preciso promover a sua qualificação, criando dignidade no espaço envolvente, diligenciando a sua divulgação através de trilhos orientados e fazendo a sua classificação de interesse municipal. Não se trata de banais marcos de pedra, eles representam uma forma de organização do espaço administrativo sui generis por conter inscrições elucidativas fora do habitual. 

A Junta de Freguesia de Mire de Tibães já interiorizou este apelo e, com a colaboração do GAMT, tem vindo a fazer a sua divulgação ao longo destes dois últimos anos, através de caminhadas pelos marcos de demarcação, por altura da celebração do dia da freguesia, realizando os trilhos de São Martinho de Tibães e de Santa Maria de Mire, antigas divisões administrativas do couto de Tibães.
Segundo as notícias recentemente veiculadas pelos órgãos de comunicação social, o processo de qualificação patrimonial está a ser bem encaminhado, quer pela Junta de Freguesia de Mire de Tibães, que já elaborou a documentação requerida, quer pela Câmara e Assembleia Municipal de Braga, que aprovaram por unanimidade a classificação dos Marcos de Mire de Tibães como património de interesse municipal.
A criação de um roteiro museológico para a reabilitação deste acervo da demarcação está em andamento. Bem hajam, porque o património construído ou natural a todos pertence. Vamos preservá-lo.

Florêncio Gonçalves, sócio do GAMT

Agrafonte
Carregal

Carvalhinho


Fr. Cipriano da Cruz 300 anos: Oração e Arte

Na comemoração dos 300 anos do falecimento de Fr. Cipriano da Cruz, faremos no Mosteiro de Tibães (local onde professou e desenvolveu a sua arte aquele grande escultor beneditino), uma abordagem à relação entre o desenvolvimento do barroco, nas suas diversas manifestações artísticas e a liturgia pós-tridentina. A arte como instrumento ao serviço da fé, pois como ficou estabelecido na Sessão XXV do Concílio de Trento, em Dezembro de 1563, “As imagens de Cristo, da Santíssima Virgem e de outros Santos, se devem ter e conservar especialmente nos templos e se lhes deve tributar a devida honra e veneração…”.
Na nota biográfica que dele fez Fr. Marceliano da Ascensão, escreveu então que nasceu em Braga, sem no entanto, lhe assinalar data e local de nascimento. O seu nome era Manuel de Sousa, filho de Pedro Fernandes e de Inês Gonçalves, moradores junto à igreja de S. Miguel-o-Anjotendo recebido hábito de donato ou leigo do abade geral Fr. Cipriano de Mendonça em 3 de Maio de 1676. Nesta data era já “consumado immaginario” e pretendido por outras Ordens Religiosas, nomeadamente pelos cistercienses do mosteiro de Alcobaça. Preferiu o hábito beneditino, e sendo reconhecido como bom artista, deveria a sua idade andar então pelos 25 anos. Assim, o seu nascimento deverá ter ocorrido pelos anos de 1650. Diz-nos também Fr. Marceliano de Araújo, “que o nosso escultor “para outros Mosteiros fez também imagens”, além das que realizou para Tibães e São Bento de Coimbra”. Há outras obras ainda, nomeadamente em Coimbra, de sua autoria e também fora das Ordens Religiosas.
Nos anos 90 do séc. XVII trabalhou em Coimbra, onde realizou diversas esculturas para o Mosteiro de São Bento e não só, pois na capela da Universidade existe uma imagem de S.ª Catarina que Fr. Cipriano da Cruz executou pelo preço de 12$000 réis, conforme o mesmo escreveu num recibo datado de 28 de Julho de 1691.
Viria a falecer em 11 de Fevereiro de 1716 no Mosteiro de Tibães, tendo sido sepultado no Claustro do Cemitério: Acabou a vida em 11 de fevereiro de 1716 neste Mosteiro de Tibães em cujo claustro esta sepultado, sendo que os effeitos do seo oficio lhe levantão tantas estatuas no templo da fama quantas são as figuras que fes.
                                        (Fr. Marceliano de Ascensão) 
Em 12 de Fevereiro de 2016, 300 anos após a sua morte, prestamos-lhe a devida homenagem. (Mosteiro de Tibaes, às 21h30)

   Paulo Oliveira