Lembrando Percursos Beneditinos GAMT - Por Terras de Celorico de Basto

Na entusiasta comitiva que nos acompanhou nesta visita a Celorico, houve participantes que exteriorizaram interesse em aceder a uma informação mais detalhada sobre este cenóbio beneditino…
Como o prometido é devido, aqui vai!


Mosteiro de S. João Baptista de Arnoia da Ordem de São Bento

A edificação do Mosteiro de São João de Arnoia, como a de outros mosteiros beneditinos, não é consensual. Para uns autores, teria sido edificado em 995 pelo cavaleiro francês, Arnaldo Baião,
Fachada do Mosteiro de S. João de Arnoia
companheiro de Henrique de Borgonha, o futuro conde D. Henrique; para outros, nomeadamente para o beneditino Frei Leão de S. Tomás, teria sido fundado por Múnio Moniz, alcaide do castelo de Arnoia, um cavaleiro de honrada estirpe e tronco familiar de D. Egas Moniz, cujo túmulo, que se encontra no claustro do mosteiro, tem a seguinte inscrição: V.F.D. Munius Moniz H.I. in S. Assisterio Era 1072 ou seja “D. Múnio Moniz aqui jaz no seu mosteiro…na era de 1072” (ano de Cristo de 1034).
Independentemente da sua fundação ou reedificação, é sabido que nesses tempos primitivos o pequeno cenóbio era já detentor de numerosos bens, quer imóveis emprazados - casais, herdades e quintãs - quer monetários, e que a sua comunidade seguia a
Túmulo de Múnio Moniz no claustro do Mosteiro
observância da Regra de S. Bento com tal desvelo que os seus monges de tão apartados viverem do mundo e tão vizinhos com Deus eram chamados de monges angélicos. 
Com o rolar dos tempos, porém, estes tempos de prosperidade vão acabar. Se no tempo de D. Dinis, em 1320, o mosteiro de Arnoia ainda é taxado em 700.00 libras, no século seguinte a delapidação material do mosteiro acentua-se gravemente, acompanhando a crise demográfica, económica e social que, a partir de meados do século XIV, se instalou em Portugal. Com a decadência material, instala-se a crise espiritual, revelando-se a falta de observância, a indisciplina, a relaxação e o vício. A maior parte das casas religiosas não se podem manter economicamente e, segundo um parecer da época, as oras nom se dizem em ellas nem faciam o oficio de Deus. Em 1375, numa visita pastoral ao mosteiro de Arnoia, o arcebispo de Braga faz vários reparos à vida comunitária que aí era levada, ameaçando de excomunhão o abade e os monges se não fossem cumpridas as recomendações. Os efeitos não se devem ter sido muitos pois, no primeiro quartel do século XV, o mosteiro viveu uma deplorável situação criada pelo desregramento moral e incontrolada ambição do abade D. Luís Martins, que conservava uma concubina na clausura e havia admitido um filho seu para monge. Só em 1441, D. Luís Martins acaba por renunciar às funções de abade, sendo escolhido para lhe suceder Frei Gil, monge de Pombeiro.
Neste quadro de vida demasiado terrena, o Mosteiro de S. João de Arnoia, em 1527, segundo as inquirições de D. João III, tinha 2 cercas muradas, uma com vinha oliveira e horta e a outra, a cerca da Banduja, com pinheiros, castanheiros, carvalhos, urze e matos e uma quinta anexa, a quinta da Gandara, toda murada, onde se produzia vinho, pão, azeite e tinha mato e algumas carvalhas. Havia água da Fonte Rica e tinha 3 engenhos, 1 de azeite e 2 de pão, um alveiro e outro de segunda. 
Um pouco mais tarde, em 1550, João de Barros, na sua GEOGRAHIA D’ ENTRE DOURO E MINHO E TRÁS-OS- MONTES, quando fala do concelho de Celorico de Basto, onde há três mil vezinhos e tem hum castello em hum monte alto que he mui forte e para boa deffenção, diz que o Mosteiro de Arnoia da Ordem de São Bento tem de renda duzentos mil reis e está junto a um vale a que chamão val de Bouro onde há muito pão e vinho maduro, muitas frutas e muito gado, aves e mel e algum azeite.
A partir da segunda metade do século XVI, a vivência do Mosteiro de S. João de Arnoia vai sofrer profundas alterações. A reforma monástica-beneditina portuguesa, começada há já alguns anos, atingira o seu ponto máximo com a criação, em 1569, da Congregação dos Monges Negros de S. Bento dos Reinos de Portugal; a realização do 1º Capítulo Geral da congregação; a nomeação de Frei Pedro de Chaves como Abade Geral e a escolha do Mosteiro de Tibães para Casa-Mãe. O Mosteiro de S. João de Arnoia, apesar de estar agregado à congregação desde 1576, continuou sob administração de abades comendatários até quase ao final do século e à eleição do seu primeiro abade trienal – Fr. Bento da Paz.
Novos tempos começaram, então, para o velho Mosteiro de S. João de Arnoia quer ao nível do espiritual, quer ao nível do temporal. Gradualmente, os foros, quer em géneros, quer em dinheiro, mercê de novos emprazamentos e de uma melhor administração, vão aumentando. A comunidade que, em 1569, era apenas de 3 monges, aumenta, no século XVII, para 6/7 membros.
O dia- a- dia do mosteiro, com as novas exigências orgânicas e funcionais, vai originar o fim da velha edificação medieval.
Claustro quadrado com chafariz
A partir dos anos 30 do século XVII a administração beneditina começa com uma vasta campanha de obras, de renovação e de obra nova, que passou pelas celas dos priores; dormitórios; hospedarias; secretas; claustro de 6 colunas e 3 janelas rasgadas com grades de ferro e balaustres pintados e dourados em cada lanço e com um chafariz no centro; escadas de pedra e lavabos; portarias; despensa; cozinha e forno; recibo, estrebarias e casa da renda. Na igreja e sacristia a intervenção é muito significativa. Começam por fazer o arco do cruzeiro em cantaria; picam as paredes dos frisos antigos e rebocam-na; intervêm no pórtico da igreja que tinha caído e fazem um coro novo todo de cadeiras com seus espaldares; montam um retábulo novo para o altar-mor, uma obra-prima que chegou a 110.000 rs de custo, e mais dois para os altares colaterais do mesmo lote que custaram 52.000 rs.
Altar-mor e Arco do cruzeiro em cantaria
Testemunhos destas intervenções são as duas epígrafes existentes no edifício: uma com a data de 1639, inscrita numa das janelas da igreja e outra de 1688, inscrita no chafariz do claustro e na verga de uma das portas que comunicam com o claustro. Também o terreiro é alvo de modificação profunda, tendo sido fechado com paredes altas.
Nas cercas, reconstroem muros e fazem outros de novo; conduzem águas; edificam moinhos e engenhos; plantam vides; oliveiras, carvalhos, castanheiros e pomares. No rio Tâmega levantam açudes e concertam pesqueiras.
Ao longo de toda a metade do século XVII o mosteiro ficou sempre desempenhado e desobrigado sem dívida alguma.
Com o dealbar do século XVIII a comunidade cresce para um número que oscila entre os oito e os desaseis monges e os foros em dinheiro rondam os 400.000 reis. 
Nas Memórias Ressuscitadas de Entre-Douro-e-Minho, escritas por Francisco Craesbeeck em 1726, refere-se a igreja do mosteiro como sendo uma das mais antigas de região de Basto, ressalvando o facto de ter tido obras recentes, especificando cujas officinas mostrão ser obra moderna com 17 cellas e hum claustro quadrado de 110 palmos de comprido, com 5 arcos en quada quadra, firmados em 7 columnas com 3 janellas en sima de cada banda.
Também o inquérito de 1732, mandado realizar, no reinado de D. João V, para elaboração do Diccionario Geographico do Reyno de Portugal, revela que a igreja da Paróquia dedicada a S. João Bautista tem três altares, o maior com a imagem de Santo Patrono e de S. Bento; e dois mais, um dedicado ao Nome de Jesus, e outro a Nossa Senhora do Rosário.
Igreja de nave única e quatro altares
A partir de 1743 regista-se um novo período construtivo no mosteiro que abrangerá todo o edificado desde a igreja e sacristia, ao terreiro e adro, passando pelas alas conventuais. A igreja é toda reformada recebendo novo revestimento de talha à moderna; abóboda de estuque com friso de mármores brancos e azuis; tribuna e retábulos novos, púlpito; sanefas; grades; bancos; pia batismal; guarda vento novo e muito mais…
As Memórias Paroquiais da Congregação de 1758 mostram já o resultado desta campanha de obras: 
O edificio, suposto não hé sumptuozo, consta de trez dormitorios que formam os lados ao Nascente Meyo dia e poente. Ao do Norte está a igreja. Hé esta de huma só nave e se compoem com quatro altares. No da cappella mor ao lado direyto da tribuna está a imagem de Sam João batista, orago do Mosteyro e freguezia. Ao lado esquerdo a imagem de Sam Bento. A quem os povos buscam com frequencia, e em concurso grande nos seus dias. O coleteral do Evangelho, hé dedicado a Nosa Senhora do Rozário. O da epistolla a Santa Anna. No corpo do Cruzeyro há outro altar, em que se venera huma devotíssima imagem de Christo crucificado, e no mesmo altar está o santissimo…
Dependências monacais - lar de terceira idade
Com o aproximar do fim do século a situação do mosteiro vai-se degradando. Os foros são sempre os mesmos, os encargos aumentam e o número de monges diminui. Esta realidade fica bem expressa no capítulo geral de 1786, realizado no Mosteiro de Tibães, que anuncia a sentença de morte do mosteiro:
O Mosteiro de S. João de Arnoia, situado no Concelho de Basto da Província do Minho […] tem de renda seis mil cruzados; nele, pela sua situação em uma montanha áspera, pela ruína em que se acha o edifício, que carece inteiramente reedificado de novo e pelo pouco n.º de monges que o habitam, não pode haver aquela regularidade que é necessária para conservar em seu vigor a disciplina monástica; por isso parecia ser mais útil aplicar das suas rendas cinco mil cruzados para sempre, ao Colégio da Estrela, ficando o resto para no dito Mosteiro, cuja Igreja é paroquial, se sustentar um monge escolhido para vigário e outro para companheiro, e Procurador que cobrasse as rendas e as remetesse ao dito Colégio.
É o fim da autonomia do mosteiro, que passa a priorado, até 1821, data da sua restauração.
Depois da extinção das ordens religiosas, em 1834, o mosteiro foi entregue à paróquia de Arnoia. Em 1867,
Ala conventual ocupada pelo Hospital Civil de São Bento
o rei D. Luís aprovou os estatutos da Santa Casa da Misericórdia de São Bento de Arnoia, que no ano seguinte foi oficialmente fundada, instalando-se no antigo cenóbio. Parte da ala conventual foi ocupada pelo novo Hospital Civil de São Bento.
No primeiro quartel do século XX, o hospital atravessou dificuldades financeiras e em 1918 encerrou as portas, reabrindo no ano de 1930, depois de um grande esforço da população e dos provedores da Misericórdia para angariarem fundos para a instituição. Em 1982, as instalações hospitalares foram deslocadas para o novo centro de saúde de Celorico de Basto, sendo esta zona das dependências monacais devolvida à Misericórdia. Posteriormente, a Santa Casa fundou, no espaço do mosteiro, um lar de terceira idade e um jardim infantil, que se mantêm até hoje.
Coro de cadeiras e espaldares
O atual Mosteiro de S. João de Arnoia é composto pela igreja de planta longitudinal, à qual se adossam lateralmente as dependências monacais. De nave única, o templo apresenta uma fachada de aparelho de granito, com portal principal de moldura simples, em arco rebaixado, encimado por um nicho com a imagem de São João Baptista e duas janelas retangulares, também de moldura em arco rebaixado. O conjunto é rematado por frontão triangular com dois fogaréus laterais e uma cruz no topo. Do lado esquerdo ergue-se a torre sineira fechada por remate piramidal. No interior, destacam-se o cadeiral de talha, o tímpano esculpido com um Agnus Dei, proveniente da escola de Rates, e uma representação de São Miguel atacando a serpente. 
Destacando-se pelas fachadas pintadas de branco, as dependências monacais organizam-se em torno de um pátio, dividindo-se em dois registos, pontuados pela abertura de portas e grandes janelas de sacada. O claustro tem dois pisos, sendo o primeiro composto por arcada assente sobre colunas toscanas e o segundo, fechado, rasgado por janelas de sacada com guardas de ferro. Ao centro da quadra existe um chafariz assente sobre três degraus, com tanque recortado e duas taças circulares, suportadas por coluna e rematadas por pináculo.
Nas antigas alas conventuais, distribuem-se as instalações da Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração e Manutenção de S. Bento de Arnoia.
A memória beneditina perdura nestes espaços na escada de pedra entre pisos; nos vãos sequenciais das portas e janelas; nos tetos abobadados e no salão nobre com teto em masseira com as armas beneditinas.

Sócia do GAMT nº 1 – Aida Mata



Claustro e torre da igreja

Sacristia


Lavabo


Escadas de pedra (pormenor)




Castelo românico de Arnoia


Castelo românico de Arnoia (interior)

Rua da Villa de Basto


Casa da Botica

Castelo de Arnoia e pelourinho

Restaurante Sabores da Quinta


Casa do Campo

Jardim da Casa do Campo com planta rectangular

Jardim com chafariz de tanque circular com repuxo

Amigos GAMT na Igreja do Mosteiro